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Aquecimento por Contato Direto STAB - Jan/Fev 2018

Um trabalho sobre o tema acima foi apresentado no Congresso da ASSCT (Australian Society of Sugar Cane Technologists) em 2017, indicando as circunstâncias nas quais o uso desta técnica poderia ser eventualmente recomendado. O texto chamou o nosso interesse, visto que no Brasil temos normalmente a tendência de evitar o aquecimento por contato direto (ACD).

Na Austrália, ao contrário do Brasil, há poucos projetos de cogeração e não há produção de etanol a partir de caldo de cana, somente a partir de melaço esgotado e mesmo assim em pequena escala. Desta maneira, como em geral não existe a necessidade de baixar o consumo de vapor de escape, o ACD pode eventualmente ser utilizado.

No Brasil o ACD é às vezes usado para aquecimento de xarope em sistemas de flotação e até a algum tempo atrás era usado em sistemas de regeneração de calor para resfriamento de caldo enviado à fermentação. Este último sistema é uma espécie de jabuticaba que só existe no Brasil, pois na maioria dos países que processam cana de açúcar ninguém quer resfriar caldo, só aquece-lo. Este ACD especificamente brasileiro é pouco utilizado atualmente porque o approach de temperaturas é elevado e o consumo de energia elétrica em bombeamento é alto, tendo o mesmo sido gradualmente substituído por trocadores tipo a placas ou tipo casco-tubo.

O ACD apresenta as seguintes desvantagens:

- Quando usado para aquecimento de caldo primário ou secundário as vazões correspondentes nos aquecedores de caldo remanescentes e no sistema de clarificação aumentam, provocando assim a necessidade de mais vapor vegetal e/ou vapor de escape para o aquecimento do caldo diluído até um valor próximo da temperatura de ebulição na entrada do primeiro efeito.

- O vapor de aquecimento condensado no caldo aumenta a necessidade de capacidade de evaporação correspondente, tanto em equipamentos como em consumo de vapor.

Em compensação, o ACD apresenta as seguintes vantagens:

- Menores custos de instalação e de manutenção.

- Menor necessidade de espaço horizontal.

- Coeficiente de troca de calor praticamente constante, pois não há superfícies de troca térmica que devem limpas periodicamente.

- Controle preciso da temperatura do produto (caldo ou xarope), mesmo com variações elevadas da vazão do mesmo.

- Um pequeno approach de temperatura é viável, na faixa de 2,0 ºC ou até menos, desde que haja suficiente vapor disponível.

- Normalmente há redução de consumo de energia elétrica no bombeamento do produto, pois não é necessário vencer perdas de carga nos aquecedores.

Os equipamentos típicos para utilizar o ACD são basicamente bicos injetores de vapor ou colunas tipo disc&donut ou tipo bandejas perfuradas, sendo este último tipo adequado para caldo limpo e os demais para caldo com grande quantidade de bagacilho.

O principal impacto causado pelo uso de ACD ocorre no consumo de vapor de escape (VE). O vapor condensado durante o aquecimento caldo aumenta o consumo de VE no sistema de evaporação.

No trabalho acima mencionado os autores Broadfoot e Rackemann consideraram tipicamente três categorias de plantas no que diz respeito ao consumo de vapor de escape sobre a cana (VE%cana).

- VE%cana na faixa de 50% (500 kg/tc), plantas com baixa eficiência no consumo de vapor de processo.

- VE%cana na faixa de 40% (400 kg/tc), plantas com média eficiência no consumo de vapor de processo.

- VE%cana na faixa de 32% (320 kg/tc), plantas com alta eficiência no consumo de vapor de processo.

Em seguida eles simularam para condições típicas de processo quais seriam os aumentos consumo de VE%cana, para cada uma das três categorias acima, caso todo o caldo fosse aquecido por meio de ACD com vapor vegetal em três etapas: primeiro aquecimento de 30 ºC até 76 ºC, segundo aquecimento de 74 ºC até 103 ºC e aquecimento de caldo clarificado de 96 ºC até 109 ºC.

Eles concluíram que os aumentos respectivos de VE%cana seriam de 5,0%, de 4,3% e de 4,2%, sendo estes valores indicados em pontos percentuais.

Verificamos que quanto mais baixa a eficiência térmica da planta, maior será o incremento de consumo de VE quando se usa ACD. Por outro lado, plantas com VE%cana na faixa de 50% normalmente não tem turbo geradores (TG) de condensação instalados no caso das condições brasileiras, apenas máquinas de contrapressão. Desta maneira, caso haja combustível e capacidade de caldeiras suficientes, a geração de energia elétrica excedente não varia de forma significativa, embora seja eventualmente necessário investir para aumentar a capacidade da evaporação. Isto porque no Brasil, sem considerar palha adicional, é geralmente possível produzir 55% de vapor sobre a cana de forma contínua com as sobras mínimas necessárias de combustível.

Já quem busca uma planta de alta eficiência com VE%cana na faixa de 32% muito provavelmente está considerando um excelente preço para a energia elétrica excedente e, portanto, está procurando maximizar a sua venda, instalando assim TG’s de condensação com alta potência. Nesta situação não faz sentido usar ACD e aumentar o VE%cana, com exceção das aplicações que mencionamos a seguir.

O caso das plantas com média eficiência e VE%cana na faixa de 40% é muito típico do Brasil, onde geramos cerca de 55% de vapor sobre a cana (sempre sem considerar palha adicional), passamos 40% em TG’s de contrapressão e passamos 15% em TG’s de condensação, em condições médias típicas. Admitindo vapor motriz entrando nos TG’s com 65 bar(a) e 520 ºC e uma planta totalmente eletrificada seria possível gerar energia elétrica na faixa de 123,6 kWh/tc.

Supondo que nesta planta fosse utilizado o ACD conforme descrito acima, o VE%cana aumentaria para um valor próximo de 44,3%, e o vapor motriz passando nos TG’s de condensação diminuiria para 13,3%. Nestas condições, a energia elétrica gerada passaria para a faixa de 122,2 kWh/tc.

Para uma usina típica de 2,5 mmtc por safra estamos falando em gerar cerca de 1.400 MWh a menos por safra e vender cerca de 3.300 MWh a menos por safra, já considerando a energia parasita das torres de resfriamento da turbina de condensação.

Naturalmente o preço de venda da energia será sempre um aspecto relevante na análise econômica de cada alternativa. O uso de ACD reduz o capex no sistema de aquecimento, porém aumenta o capex no sistema de evaporação, sendo que este último varia muito em função de mix de produção açúcar / etanol.

Entretanto existem aplicações específicas nas quais a diluição provocada pela condensação de vapor vegetal não traz maiores consequências. São aplicações onde o ACD pode ser recomendado. O ACD também pode ser recomendado para situações específicas de aquecimento máximo do caldo clarificado e para aplicações nas quais os efeitos de incrustação nos equipamentos são muito representativos.

Em usinas com extração por difusor, que utiliza altas taxas de embebição, o ACD pode ser usado para elevar a temperatura da água de embebição e para o aquecimento da “água de prensa” que retorna para o equipamento. Não há consequências indesejáveis causadas pelo efeito de diluição.

Evaporadores de caldo tipo filme descendente, ou similar, são muito sensíveis com relação à temperatura do produto na entrada do equipamento. Por exemplo, no primeiro efeito da evaporação a taxa de troca de calor cai muito quando o caldo está com temperatura muito abaixo do ponto de ebulição. Como com o ACD o approach é muito baixo, poderia ser interessante usar V1 para ter o caldo na maior temperatura possível.

Por exemplo, uma fábrica de açúcar projetada para produto de baixa cor na qual existe flotação de xarope e dissolução de magma C que em seguida é misturado com o xarope. Neste caso o xarope pode ser aquecido por meio de ACD, pois o efeito de diluição não será nenhum já que o magma C teria que ser dissolvido de qualquer maneira, e assim não há aumento de água introduzida no processo.

O exemplo acima vale também para o aquecimento de calda de refinaria no processo de dissolução, desde que a qualidade do vapor vegetal utilizado seja adequada.

Em resumo, o ACD pode ser usado em algumas aplicações específicas sem nenhum prejuízo e eventualmente em usinas que operam com baixa eficiência energética. Mas quando a venda de energia elétrica está em jogo e o preço é bom, o ACD não é recomendado.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br