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Transição Energética Realista - Relevância da Cana no Brasil STAB - Jul/Ago/Set 2025

Este texto começou a ser redigido quando a Petrobrás iniciou uma campanha publicitária com o mote de que estaria praticando uma “Transição Energética - Justa”. Justa para quem cara-pálida? A Petrobrás é controlada pelo poder Executivo, e as decisões recentes deste poder e do poder Legislativo não tem sido nesta direção.

Sugerimos discutir aqui o que ao nosso ver poderia ser uma “Transição Energética Realista”. 

Naquela mesma semana o nível dos reservatórios no CO estava na faixa de 58%, um pouco abaixo das previsões dos especialistas, ou seja, com a mensagem da Natureza de que as fontes de energia renovável nunca serão permanentes porque estarão sempre dependentes das condições climáticas.

Na ocasião a geração em MMGD já ultrapassava 40 MW, e o corte de geração solar/eólica (courtailment) atingiu o pico de 18 MW para o ONS poder garantir a confiabilidade do SIN (Sistema Interligado Nacional).

Procurando abordar de forma realista este alto nível de courtailment, o primeiro mito a ser descartado é o de que existe courtailment apenas para as fontes solar e eólica por falta de linhas de transmissão, mito este habilmente defendido pelo lobby que trabalha para estes setores. Mas na realidade o que tem ocorrido no Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) é uma excessiva oferta de energia renovável sem inércia síncrona (vide texto da Revista STAB da edição abril/maio/junho de 2025 - Transição e Valorização Energética), com preços subsidiados por políticas públicas que causam mais distorções do que soluções estruturantes de longo prazo no SEB. Via de regra os subsídios são ferramentas indispensáveis para a implantação de políticas públicas, mas não devem ser permanentes, sob o risco de criarem mais problemas do que soluções.

O segundo mito a ser descartado é o de que a energia renovável solar e eólica tem custo mais baixo do que a energia fóssil ou a bioenergia. Na vida real não comparamos preços de coisas diferentes, não faz sentido. Fontes de energia fóssil ou de bioenergia entregam potência com inércia síncrona e com disponibilidade permanente ou sazonal. Fontes de energia solar e eólica entregam energia sem inércia síncrona e com intermitência. Não soa razoável que estas devam ser mais baratas do que aquelas que entregam confiabilidade para o SIN.

Está disponível no Linkedin um interessante diagrama publicado pelo Sr. Bjorn Lomborg, presidente do Copenhagen Consensus Center, demostrando que quanto maior o percentual de geração solar e eólica em cada país, maior o custo médio da energia elétrica para o consumidor industrial e doméstico. Vale a pena conferir.

Costumamos ouvir brasileiros entusiasmados com a China, que está implantando muita geração de energia solar e eólica, país que o Brasil deveria imitar. Ocorre que quando os chineses utilizam energia solar e eólica eles estão deixando de queimar carvão. Mas quando nós brasileiros utilizamos energia solar e eólica, podemos estar vertendo água nas UHE’s que também entregam energia renovável. Água vertendo do reservatório sem gerar energia por excesso de oferta de solar e eólica também é courtailment, neste caso de uma fonte renovável que entrega potência com inércia síncrona. E em 2025, com a nova tarifação do Trump, a China está com um enorme excedente produtivo e assim desovando bens em ritmo acelerado, criando uma grande fonte de desequilíbrios e de pressões concorrenciais. O que é bom para a China pode não ser bom para o Brasil.

É lógico que as fontes de geração solar e eólica são importantes no Brasil. Mas pensamos que os novos aportes devem focar no aumento da disponibilidade das gerações já existentes, e não no aumento indiscriminado da oferta, o qual tem aumentado o courtailment. É importante desenvolver políticas públicas para transformar as instalações já existentes de fornecedores de energia sem inércia síncrona em fornecedores de potência com inércia síncrona e com baixa intermitência. É mais racional investir em baixa intermitência do que investir em mais linhas de transmissão que estariam operando com capacidade muito abaixo da nominal durante a noite ou quando não há vento.

A redução da intermitência seria obtida com armazenamento de energia por meio de sistema de baterias. Já há geração de potência com inércia síncrona, entre os especialistas denominada como “inércia sintética”, por meio do desenvolvimento recente dos sincroversores (GSV), que já operam no Havaí, na Inglaterra, na Alemanha e na Austrália. Ao contrário dos inversores de frequência tradicionais, que operam segundo o princípio GFM (Grid Following), os sincroversores operam segundo o princípio GFM (Grid Forming). No Brasil já há casos práticos desta tecnologia em instalações portuárias da VALE no RJ e da SE de Registro em SP. Para os técnicos das usinas associadas da COGEN, eventualmente interessados neste tema, sugerimos buscar a apresentação técnica sobre “Inércia Sintética” que foi proferida pelo Eng. Alberto Bianchi Junior da POWERHOUSE - Engenharia de Energia, em reunião recente do Conselho Técnico Consultivo.

As usinas de cana, assim como as UHE’s, também são diretamente afetadas pela intermitência das fontes solar e eólica. O ONS, a ANEEL e as distribuidoras de energia elétrica têm conduzido uma ação coordenada para padronizar os ajustes de proteção das usinas, de modo a garantir a conformidade com as diretrizes do Procedimento de Rede 2.10 do ONS, visando assegurar o funcionamento adequado do Esquema Regional de Alívio de Carga (ERAC), promovendo a estabilidade e segurança do SIN, mas com a advertência deque o não atendimento da nova parametrização do sistema de proteção subsidiará a suspensão dos serviços de distribuição às usinas. Uma ameaça séria!

A nova parametrização dos sistemas de segurança, os quais foram projetados e instalados segundo normas anteriores ao aumento exponencial da geração solar e eólica, é exigida das usinas para na prática estas fornecerem energia e serviços ancilares (vide texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2022 - Natureza das Fontes de Energia Renovável - Serviços Ancilares). Ou seja, o excesso das fontes intermitentes solar e eólica produzem os distúrbios no SIN, e as usinas de cana têm que prover investimentos para fornecer os Serviços Ancilares, visando garantir a estabilidade e segurança do SIN.

No Brasil o potencial energético da cana de açúcar está sendo subutilizado por falta de incentivos de políticas públicas adequadas. Assim como o eucalipto, a cana é a cultura que mais produz matéria seca, em média cerca de 22,5 t/ha anualmente. Resíduo do seu processamento, o bagaço deveria ser queimado com a maior eficiência possível em caldeiras modernas, mas vemos que no parque industrial ainda proliferam inúmeras caldeiras com baixa eficiência. A bioenergia perdida em caldeiras de baixa eficiência é uma vergonha nacional!

O preço da potência com inércia síncrona fornecida pelas usinas, que concorre indevidamente com o baixo preço da energia sem inércia síncrona fornecida pelas fontes intermitentes, inviabiliza a substituição das caldeiras de baixa eficiência para aumentar a exportação de energia elétrica.

Outras vezes o que inviabiliza o investimento é a falta de linhas de transmissão (LT) em 138 kV. Mas faz mais sentido para o país investir nestas linhas do que em LT’s para aumentar a capacidade de geração com fontes intermitentes. Quando o Sol se põe e o vento cessa, estas LT’s operam com baixa capacidade e com altas perdas de energia na transmissão.

Temos sugerido com insistência buscar a maior valorização energética da cana por meio da associação do seu processamento com o milho (vide texto da Revista STAB da edição outubro/novembro/dezembro de 2024 - Perspectivas da Bioenergia no Brasil - Máxima Cogeração nas Usinas de Cana). Mas haverá a necessidade de buscar mercados para o etanol adicional a ser produzido, o que já está ocorrendo com a nova mistura E30.

Acreditamos no mercado futuro de SAF para o transporte aéreo. Transportar cargas exige enormes quantidades de energia, não existe passarinho gordo na Natureza. Em menor escala, o etanol também poderá ser a matéria prima para produção de hidrogênio de baixo carbono para a indústria brasileira.

Outra possibilidade é o fornecimento de potência para o SIN em regiões remotas do Brasil visando atender à rampa de energia que ocorre diariamente devido às fontes intermitentes. O mercado já oferece motores de combustão de alta potência adaptados para operar com etanol combustível. E no último leilão de potência, que foi inesperadamente cancelado, os preços de referência do CVU para gás natural em tese viabilizam o uso do etanol, mas com menor pegada de carbono.

Para finalizar, lembramos que recentemente no Japão começaram as atividades para reestabelecer a condição operacional da usina nuclear de Fukushima, que há 14 anos foi fechada devido aos danos causados pelo grande maremoto. Lembramos também que no Grupo do G20 a França é o único país cuja matriz elétrica com baixa emissão de carbono é ligeiramente superior à do Brasil, resultado da grande geração de energia elétrica em usinas nucleares.

E investir com responsabilidade ambiental na exploração de petróleo na plataforma norte do Brasil é uma decisão que nos parece acertada. O ritmo de crescimento das demandas de energia pela humanidade não permite a exclusão das fontes fósseis no curto prazo.

Nas condições tecnológicas atuais, buscar uma transição energética realista é procurar a melhor e maior associação possível entre as fontes fósseis e as fontes renováveis diversas, buscando sempre a sua complementariedade com eficiência e eficácia. E ao mesmo tempo investir em energia nuclear.

No Brasil a cana, que é a maior fonte de produção de energia elétrica em sistemas de cogeração e com baixa pegada de carbono, é um insumo energético muito relevante nesta grande empreitada.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br