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Etanol em Moto Gerador - Consulta Pública LRCAP 2026 STAB -Out/Nov/Dez 2025

Iniciamos este texto uma semana depois da COGEN, com a colaboração da UNICA, ter enviado para o MME as suas contribuições para a Consulta Pública no 194 de 2/08/2025, referente à Portaria de Diretrizes e Sistemáticas do LRCAP previsto para 2026.

Anteriormente o MME havia definido que participariam do leilão de potência apenas as UTE´s a gás natural (GN) e a carvão mineral e as UHE´s. A contribuição da COGEN busca incluir no leilão empreendimentos que utilizem como combustível etanol, bagaço de cana, B100, biogás, biometano, licor negro, lenha, resíduos florestais, RSU, capim elefante e casca de arroz.

Coincidência ou não, o etanol foi citado como o primeiro da lista pela COGEN. Concordamos que para fornecer potência distribuída renovável no Brasil o etanol é um combustível muito adequado, pelas razões técnicas que passamos a discutir em seguida. Mas antes de falarmos especificamente sobre moto geradores a etanol, vamos abordar alguns fundamentos técnicos relevantes para as decisões a respeito das nossas políticas públicas.

Um primeiro comentário a respeito da demonização das UTE´s a carvão, as quais no Brasil estão localizadas no Rio Grande do Sul, estado que tem uma produção relevante de milho, mas que não produz cana de açúcar e tem pouco eucalipto. Mas no RS está sendo implantada uma planta para produção de etanol de trigo e o estado poderia produzir etanol de milho.

UTE´s a carvão sem gaseificação tem baixa eficiência termodinâmica, na faixa de 30%, o que acarreta um aumento da pegada de carbono. Mas em vez de descontinuarmos a sua operação, poderíamos estudar a alternativa de anexar a elas plantas para a produção de etanol de milho, adotando sistemas de cogeração que poderiam mais que dobrar a sua eficiência. Eventualmente a casca de arroz poderia também estar associada ao empreendimento, já que o RS produz mais de 70% do arroz no Brasil. A humanidade está se tornando cada vez mais energívora, vide o crescimento exponencial dos Data Centers (DC) e do transporte aéreo, não faz sentido simplesmente descartar os combustíveis fósseis, mas sim buscar ao máximo associações de energia fóssil/renovável que reduzam a emissão de GEE.

Visando a entrega de potência para o Sistema Integrado Nacional (SIN), temos que discutir a respeito da natureza das fontes de energia fóssil e renovável (vide texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2025 - Transição Energética Realista - Relevância da Cana no Brasil).

Potência elétrica é a capacidade de entregar uma quantidade de energia síncrona firme numa unidade do tempo, tanto do lado da geração como do lado do consumo. Os DC´s e o transporte aéreo são típicos exemplos de empreendimentos que exigem potência com 100% de disponibilidade, o que significa indispensável necessidade de armazenamento de energia.

Fazendo analogia com uma colônia de férias, as fontes fósseis são as únicas que entregam potência elétrica com pensão completa durante todo o ano. A fonte solar só entrega o café da manhã tardio e o almoço. A fonte eólica só entrega o chá da tarde e a ceia. A cana entrega pensão completa, mas apenas durante oito meses por ano. A UHE entrega pensão completa o ano todo, mas desde que não falte chuva. Ressaltando que a pensão das fontes solar e eólica (energia sem inércia síncrona) não tem a mesma qualidade quando comparada com as fontes cana e UHE (potência com inércia síncrona). Portanto, os preços da energia solar e eólica sem sistemas de armazenamento adequados não poderiam em nenhuma hipótese balizar os preços das outras fontes de energia. Produtos com atributos diferentes que devem ter preços diferentes. Não faz sentido energia elétrica da cana ter o mesmo preço de energia elétrica solar ou eólica.

Assim para atender contratos de potência é indispensável dispor de armazenamento e de disponibilidade, para poder atender rapidamente eventuais demandas no SIN. UTE´s a carvão necessitam de cerca de 8h para partir, e assim para fornecer potência necessitam estar sempre ligadas com baixa carga para poder fornecer potência rapidamente, com a consequente piora da sua já muito baixa eficiência termodinâmica. 

A viabilidade do armazenamento de energia na forma de combustíveis depende muito da sua densidade energética gravimétrica (energia contida numa unidade de massa) e da sua densidade energética volumétrica (energia contida numa unidade de volume). O bagaço de cana tem baixos valores para estes dois parâmetros, além de apresentar degradação durante sua estocagem, e assim a sua máxima eficácia energética é obtida quando o mesmo é queimado logo após se produzido. Neste aspecto, o bagaço é mais ou menos como o hidrogênio (vide texto da Revista STAB da edição abril/maio/junho de 2024 - Hidrogênio de Baixo Carbono - Rotas de Produção).

Por outro lado, nas usinas de cana o bagaço pode ser utilizado em sistemas de cogeração muito mais eficientes para o fornecimento de energia, com menor pegada de carbono, principalmente se não for usado em ciclos de geração pura de energia elétrica (vide texto da Revista STAB da edição outubro/novembro/dezembro de 2024 - Perspectivas da Bioenergia no Brasil - Máxima Cogeração nas Usinas de Cana).

Ou seja, operar sistemas de cogeração com máxima eficiência e vender potência para o SIN são aspectos conflitantes numa usina de cana ou num outro empreendimento similar. A menos que o preço de venda de potência seja extremamente atrativo a ponto de justificar a necessidade de adequações no sistema de cogeração, não deve ser viável alterar diariamente as condições operacionais da usina para poder atender rapidamente as demandas imprevisíveis do SIN.

Entretanto, a venda de potência pelas usinas pode ser eventualmente viabilizada com o uso do etanol em motores a combustão interna. Com etanol a questão do armazenamento de energia estaria resolvida.

Recebemos na COGEN a informação de que um motor a etanol entrará num programa de testes operacionais em uma UTE em Suape, PE. Trata-se de motor operando com ciclo diesel, sendo o óleo diesel injetado numa proporção de 10% em volume, o mesmo esquema usado no exterior com metanol. Mas poderia também ser usado o B100. O etanol poderá ser hidratado ou anidro, os testes deverão confirmar qual será a melhor opção.

O objetivo será colocar no mercado motores com potência na faixa de 10 MW, projetados para entrar em serviço num intervalo de 5 min com pré-aquecimento de água e óleo, portanto adequados para fornecer potência. Uma bateria de 10 motores poderia entrar em operação em 20 min aproximadamente, com operação sincronizada em paralelo.

Os motores, que operam com baixa rotação, tem uma vida útil estimada de 30 anos, considerando operação diária de 8h e manutenção preventiva a cada 15.000 h de serviço. O custo desta manutenção deve ser levado em conta nos estudos para a estimativa do CVU.

Os motores também permitem operação em sistema de cogeração produzindo água quente na faixa de 150 oC, a qual poderia ser usada também de forma intermitente para a secagem parcial do bagaço de cana, portanto sem nenhuma interferência no processamento da cana.

Fabricantes informam que o motor pode operar com até 47% de eficiência termodinâmica a plena carga. Considerando as perdas no gerador, subestação e linhas, e adotando uma eficiência global de 40% e o etanol com PCI de 27.800 kJ/kg, estimamos um consumo de aproximadamente 400 l/MWh.  

Este consumo será relevante para a definição do CVU para o leilão. A competição será principalmente com as grandes térmicas a GN, que tem muito maior economia de escala. Mas exigem pesados investimentos em gasodutos e em linhas de transmissão. Já o etanol fornece potência distribuída, provavelmente utilizando linhas de transmissão já existentes. O MME deveria levar em contas estas externalidades favoráveis ao etanol.

É evidente que o GN é um combustível fóssil importante para a transição energética e relevante para fornecer potência para o SIN. Mas o Brasil não é um país rico e com pequena dimensão territorial. Ter uma rede nacional de gasodutos vai demandar muito tempo e dinheiro.

Talvez o CVU do etanol seja maior do que o GN para fornecer potência, mas é uma potência distribuída que deve exigir muito menor investimento em gasodutos e em linhas de transmissão.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br